Poema de Antonio Miranda
“o coronelismo falseia a representação política
e desacredita o regime democrático”
VITOR NUNES LEAL (1948)
O coronelismo — uma praga,
um cancro, uma abcesso — sobrevive
e se renova na vida republicana.
Tem origem no patriarcalismo
— o patriarca isolava-se para produzir
e ajudava a manter a monarquia.
O coronel, o que seria?
O patriarca virava barão
e explorava terras, escravos,
plantações e rebanhos;
o latifundiário vira coronel
em terras improdutivas
arrebanhando votos e favores.
Patriarcas e coronéis
— senhores feudais
em domínios coloniais.
O coronel atuando (explícito)
no cenário local,
no município de base rural
mas — sub-reptício — projetava-se
na vida política nacional.
O coronelismo era, afinal,
o poder privado sobreposto
ao interesse público
pela ausência de governo
e anuência ao mando pessoal
atribuindo-lhe faculdades tais
— além de pessoais, imorais —
pela insuficiência
do poder estatal.
Onde o “coronel” institui-se
no interior desprotegido e submisso
pelo dever omisso e subtraído
pela ignorância, a miséria, o abandono.
O paradoxo: o coronelismo:
a extensão do direito de sufrágio
que sustenta a política rasteira
— um privilégio do voto que o coronel
intermediava no estágio da cidadania passiva
(distorção da própria democracia)
— do voto de cabresto, curral.,
rebanho eleitoral.
Vendendo, comprando,
trocando votos cegos
— eleição a bico-de-pena,
listas, cédulas, urnas eletrônicas —
votos tão secretos
que nem se sabe
em quem se vota? ...
Regime representativo do quê?
Influência política dos donos da terra,
na eleição fraudulenta,
violenta, flatulenta...
Composição escusa, espúria
— expediente da República Velha —
sustentou a Nova República
e as eleições que virão...
com represálias aos oposicionistas
e favoritismo aos correligionários...
Criam-se mais e mais municípios,
sem contudo emancipá-los
sujeitando-os aos recursos externos,
torná-los eternos depend-entes...
do coronel, das verbas federais
dos políticos, assistencialismo
da bolsa-isso e bossa-aquilo
que garantem o conservadorismo
e o centralismo de qualquer governo
— que é sempre progressista no discurso
e, no decurso, só cultiva o poder.